quinta-feira, maio 20, 2004
E não é que a história foi parar no jornal?
Aventuras de um 'popstar' gente boa
Cecilia Giannetti
Praça Serzedelo Correia, 7 horas de uma manhã de sábado. Um gringo toca violão acompanhando a cantoria truncada de um desconhecido que acabara de encontrar por ali mesmo. Ambos aparentam ter passado a noite em claro; fora isso, nada em comum. Sequer falam a mesma língua e não partilham as mesmas, digamos, referências musicais. Ainda assim, o anônimo canta a plenos pulmões e o gringo dedilha sua viola, registrando o encontro num gravadorzinho sobre uma das mesas da chamada 'Praça dos Paraíbas', em Copacabana, onde idosos costumam jogar damas.

O gringo é Evan Dando, 37 anos, vocalista, guitarrista e alma da banda norte-americana Lemonheads, que naquela madrugada ressuscitara a carreira, após um hiato de sete anos, passando a limpo o repertório que fez a fama do grupo nos anos 90 e fazendo a alegria dos fãs de indie rock que lotaram no dia 14 o Ballroom, no Humaitá, para vê-lo.
Quis o acaso que passassem pela praça, naquele momento, José Felipe Calderon e Paulo César Ferreira, responsáveis pela vinda do músico ao Brasil, junto à produtora Motor Music. A caminho de uma saideira, depois de acertar as contas com o empresário de Evan num hotel próximo, Zé Felipe e PC registraram a cena numa câmera digital. Se contassem para os outros produtores, ninguém acreditaria.

- O cara tinha dado trabalho antes do show, é cheio de manias. Mas é gente fina - conta Zé. - Ele saía do camarim pra perambular. Subia a ladeira atrás do Ballroom, ia até o fim da rua, sentava no chão e ficava tocando violão. Fez isso umas cinco, seis vezes.
- Fiquei igual babá de criança - diz o DJ Gordinho, um dos que foram buscar Evan na rua. - Imagina se ele se perde no Humaitá de noite? Não ia rolar show.
Se Gordinho tentava manter um nível adequado de sanidade no camarim, o assistente de produção Daniel Develly garante que a loucura já havia começado bem antes, na estrada. Encarregado de receber Dando no Rio, à tarde, ele soube que o cantor não conseguiria chegar a tempo de passar o som na casa de shows. Ao passar por São Paulo, ele mandara o motorista do ônibus da turnê fazer um pit-stop no Hospital Sírio-Libanês.
- Ele disse que estava ficando sem voz e precisava tomar uma injeção para melhorar - lembra Daniel.
Durante o show, as letras confessionais de Evan saíram mesmo meio roucas por cima de suas guitarradas. Os fãs pareciam não se importar com o lado tosco do revival e cantavam juntos, colados ao palco.
Há dez anos, o Lemonheads levou hits como Confetti e My Drug Buddy para além da parada de música alternativa e o sucesso, por sua vez, levou a excessos: Evan namorou quem quis e quem ninguém queria, como a viúva de Kurt Cobain (a encrenqueira-de-carteirinha Courtney Love). Da segunda metade dos 90 em diante, passou a encarnar o popstar problemático, o que culminou com sua prisão durante uma turnê pela Austrália e um incansável entra-e-sai de clínicas de reabilitação.
A volta por cima custou a acontecer. Depois de sete anos sem lançar um disco, em 2003 ele voltou a compor, ao lado de um novo parceiro, o produtor Jon Brion, conhecido por seu trabalho com Aimee Mann, Fiona Apple e por trilhas sonoras para os filmes de Magnolia e Boogie nights.
Com as músicas que escreveu em colaboração com Jon para o CD Baby I'm bored, Evan compensa os micos de seu tumultuado passado: o último álbum mostra que, apesar de um tanto abatido pelos tropeços na estrada da fama, ele não perdeu o dom de fazer canções no estilo amarguinho-doce e bons refrões.
Seu gosto musical, no entanto, pode ficar alterado após a viagem ao Brasil. No dia em que estava na Praça Serzedelo Correia, ao ver os co-produtores do show, foi até eles mostrar o que tinha gravado com o novo ''amigo''. Abriu um sorrisão e apertou o play no aparelho, anunciando que se tratava de uma cool song.
- Era o mendigo cantando: ''É preciso amaaar as pessoas como se não houvesse amanhããã...'' - conta Zé Felipe, rindo.
Evan Dando, quem diria, virou fã do ''Urban Legion''.