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domingo, janeiro 27, 2002

No final do ano passado uma professora minha encerrou a aula com um trecho de um livro - As bênçãos do meu avô - escrito por uma médica que aconselha pacientes terminais ou com doenças crônicas, a Rachel Naomi Remen , ela mesma portadora da Doença de Crohn e com várias cicatrizes deixadas pelo tratamento da mesma. Neste livro a autora mostra a importância de abençoarmos e celebrarmos a vida, coisa que ela só se deu conta de ter aprendido com o avô anos mais tarde.

Na verdade nunca me interessei em ler um livro como esse, mas como nada é por acaso, minha mãe acabou ganhando o livro e eu acabei devorando.



ABENÇOANDO

Nas tardes de sexta-feira, depois da escola, quando eu era chegava na casa de meu avô, o chá estava sendo servido sobre a mesa da cozinha. Meu avô não bebia o chá da mesma maneira que os pais dos meus amigos. Ele colocava o cubo de açúcar entre os dentes e tomava o líquido quente direto do copo. Eu fazia o mesmo. Preferia assim do que a maneira que me faziam beber em casa.
Depois do chá, vovô colocava duas velas sobre a mesa e as acendia. Então, conversava um pouco com Deus em hebraico. Algumas vezes falava alto, mas geralmente fechava os olhos e ficava em silêncio. Eu sabia que ele estava falando com Deus através do coração . Ficava sentada e esperava pacientemente, pois a melhor parte da semana estava para começar.
Quando terminava de falar com Deus, ele olhava para mim e dizia:
__Venha cá Neshumele.
Eu ficava de frente para ele e vovô colocava as mãos suavemente sobre a minha cabeça. Começava agradecendo a Deus por eu existir e por fazer dele o meu avô. Mencionava especificamente os meus progressos naquela semana e contava a Deus alguma verdade a meu respeito. A cada semana eu esperava para ver o que seria. Se eu tivesse cometido erros durante a semana, ele falava da minha honestidade em falar a verdade. se houvesse algum fracasso, ele valorizava o quanto eu tinha me esforçado para acertar. Se eu tivesse tirado mesmo uma soneca com a luz do quarto apagada, ele festejava a minha coragem por dormir no escuro. Então, vovô me abençoava e pedia as mulheres do passado, que eu conhecia de tantas histórias – Sara, Raquel, Lia e Rebeca - , que tomassem conta de mim.
Aqueles seriam os únicos instantes da semana que eu me sentia totalmente segura e em paz. Os membros de minha família, quase todos médicos e profissionais de saúde, lutavam constantemente para aprender e progredir cada vez mais. Nada era suficiente, havia sempre uma exigência. Se eu tirasse 98 numa prova, o comentário do meu pai seria:
__ O que aconteceu com os dois pontos que estão faltando?
Corri atrás daqueles dois pontos toda a minha infância. Meu avô não se preocupava com isso. Para ele, eu já era o suficiente. E de alguma maneira, quando eu estava com ele, tinha a mais absoluta certeza de que isso era verdade.
Meu avô morreu quando eu tinha sete anos. Foi muito difícil para mim, pois nunca vivera num mundo sem ele. Ele me olhava de uma maneira que jamais ninguém me olhou e me chamava por um nome especial, “Neshumele”, que quer dizer “querida alma pequenina”. Ninguém jamais me chamava assim. No começo fiquei com medo de que, sem ele para olhar por mim e contar a Deus quem eu era, eu poderia desaparecer. Mas com o passar do tempo, comecei a entender que, de alguma forma misteriosa, eu tinha aprendido a me ver através dos olhos de meu avô. E, que uma vez abençoados, estamos abençoados para sempre.
Muitos anos mais tarde, quando, já bem velha, minha mãe surpreendentemente começou a acender velas e a conversar com Deus, contei sobre aquelas bênçãos e o quanto elas significaram para mim. Ela sorriu e disse:
__E abençoei você durante toda uma vida, Rachel. Só não tive a sabedoria de fazer isso em voz alta.




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